terça-feira, 30 de agosto de 2016

Don't Hug Me .I'm Scared : Animação bizarra para adultos infantis


Não é só crianças que gostam de coisas fofinhas e muitos adultos tem vergonha de admitir
isso, principalmente os do sexo masculino. Existem por aí excelentes clássicos da animação que atraem tanto crianças quanto adultos, como por exemplo Uma Cilada para Roger Rabbit, que até hoje aguardamos uma sequencia, e o primeiro Shrek (os que vieram depois perderam e muito o conteúdo), e há também aquelas animações que enganam, seja por sarcasmo ou mesmo pela estética, que num primeiro momento não encontramos elementos que a identifiquem como animação adulta, como é o caso de Don't Hug Me .I'm Scared, referida nesse post. Trata-se de uma websérie composta por seis episódios, iniciada em 2011 por Joe Pelling e Rebecca Sloan, artistas ingleses que entre seus trabalhos incluem videoclipes, artes plásticas, animações e experimentalismo, que você pode conferir nesse site http://beckyandjoes.com/ . Para trabalhar a animação o casal faz uso de elastano, plástico, madeira, massa de modelar, metal, marionetes, espuma, stop motion e CGI, entre outros recursos e materiais, e devido a seu custo dispendioso e retorno inicialmente nulo, a dupla fez campanha de financiamento coletivo através do site Kickstarter e com a verba arrecadada produziram novos episódios, por isso o intervalo tão grande entre um episódio e outro. Ao que tudo indica, o sexto episódio, lançado no dia dos pais, é o episódio final, encerrando de vez seu ciclo na emblemática data 19/06/1955, tão significativa para a série, que falaremos adiante.




A série é protagonizada por três bonecos de marionete bem no estilo Vila Sésamo e os Muppets, são eles Yellow Guy, Red Guy e Duck Guy. Cada episódio é temático e apresenta um personagem diferente que canta a canção da vez, como a caderneta Sketchbook, o relógio falante Tony, a borboleta Shrignold, o ´´Super Computador`` Colin, o ídolo Malcom, ´´o Rei do amor``, e entre tantos eventuais personagens passamos a conhecer o pai de Yellow Guy, um tipo sombrio, misterioso, identificado pelo nome de Roy. As musiquinhas são contagiantes, dá vontade de cantar junto, não ficam devendo nada às canções de programas matutinos infantis, com o diferencial de ser educativo de tal maneira que faz até os adultos repensarem o conceito da vida e do universo, os deixando sentindo-se como uma criança aprendendo as letras, os números e as cores. O perigo maior é um adulto desinformado apresentar o show aos pequenos, confundindo a turminha de DHMIS com algo do tipo Peppa Pig (que aliás, faz muito desserviço para as crianças), já que as questões educativas da animação conterrânea é mais profunda e afiada. E é claro, se você é um nerd adepto de teorias conspiratórias Monarca, projeto Harpia e o escambau, é bem provável que acabe encontrando significados distorcidos dessa bizarra animação. Mas para todos os efeitos cada episódio tem sim uma lição a ser aprendida, como veremos a seguir. 



EPISÓDIO 1. TEMA: CRIATIVIDADE.

Os três amigos estão sentados à mesa do café da manhã. O calendário marca o dia 19 de junho. Curiosamente até o sexto episódio o calendário não sai desse dia, o que nos faz pensar em duas possibilidades; ou todos os episódios ocorrem em um único dia, ou os três amigos esqueceram de arrancar a folha. Não pode simplesmente ser um detalhe sem importância, pois a série tem inúmeros easter eggs espalhados cuidadosamente em cada episódio. Nesse episódio de estreia Sketchbook ensina aos garotos o quão é importante uma imaginação fértil e saudável na vida da gente, estimulando-os à atividades educativas. Alguns detalhes chamam atenção e dão margem a várias interpretações, como quando ele diz que ´´Verde não é uma cor criativa`` ou quando derrama tinta preta na pintura que Yellow Guy fazia de um palhaço, o advertindo a ir ´´mais devagar``. Recomendo que assista a todos os episódios, pois não é minha intenção spoilar ou estragar surpresa. Enfim, conforme a canção vai chegando ao final o ritmo torna-se mais frenético, os três amigos ficam mais agitados e as imagens que começam a aparecer nos fazem finalmente entender, se não tínhamos percebido antes, que a animação não é para crianças. E ainda fica a mensagem: tenha imaginação, mas dê a ela limite, saiba controlá-la. Em tudo, tudinho mesmo, simplesmente não podemos pensar.



EPISÓDIO 2. TEMA: O TEMPO

Este episódio, feito mais de dois anos depois do primeiro, enfim deu uma cara de seriado à essa macabra animação. É o episódio em que o relógio falante Tony tem sua chance de brilhar e protagoniza uma canção na qual divaga sobre o tempo e a finitude de cada um de nós. Marca também a estréia de Roy. Considero este o episódio mais cruel para os ´´adultos que não querem crescer``, jogando mais uma pá de terra no aparente tom infantil atribuído inicialmente à série.



EPISÓDIO 3. TEMA: AMOR

Apesar de logo no início ser mostrado um piquenic insalubre e provocar ânsia em estômagos mais sensíveis, considero este o episódio mais fofinho. O personagem foco dessa vez é Yellow Guy, e talvez o intuito dos criadores foi nos fazer sentir-se em sua pele, nos empurrando para uma identificação pela revolta com que certas pessoas tratam criaturas puras e inofensivas, simplesmente porque a sociedade se comporta de tal maneira. E quando eu digo que é o episódio mais fofo, não é sem razão. A canção, interpretada por uma sugestiva borboleta, é a mais bonita, mais longa e provavelmente a mais trabalhada de toda série. Yellow Guy é levado para um singelo passeio além do arco-íris, encontrando todo tipo de bichinhos fofos e criaturas cutes que existem, além de, logicamente, elementos simbólicos e easter eggs que descobrimos a cada vez que revemos o episódio. Marca também a primeira participação do ídolo Malcom, o Rei do Amor.



EPISÓDIO 4. TEMA: TECNOLOGIA

Os três amigos estão se divertindo jogando um jogo analógico, mesmo assim a ´´toda poderosa tecnologia`` quer nos provar a todo custo que ela é quem merece atenção e que é a resposta para tudo, superior ao que o globo terrestre Gilbert possa apresentar em relação ao mundo. Não é preciso pensar muito para entender que a participação do computador Colin e sua canção explicativa é na verdade uma crítica a esse mundinho virtual que todos nós estamos acostumados a viver conectados, de tão entranhada que essa cultura está em nossa mente. Se os episódios ocorrem todos no mesmo dia, este se passaria no avançar da tarde, entre o almoço e o jantar. Apesar de que, em muitos momentos, é deixado claro que tudo não passa de um mero espetáculo de marionete, a ficção se confunde com a realidade e Red Guy, teoricamente o personagem mais velho, não se deixa levar pela automatização de seus companheiros. Mas como podemos imaginar, se você está sozinho não consegue parar a dança. Ou enlouquece ou é varrido da sociedade.



EPISÓDIO 5. TEMA: ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL

Realmente o seriado não foge à regra quando o assunto é teatro de marionete, títeres, fantoches, fantasias ou bonecos automatizados. Tanto para o público infantil quanto para o adulto, a forma é a mesma. Como um espetáculo teatral que faz uso da quebra da quarta parede. Devido a tantas alegorias, não levamos a sério a morte de Red Guy no episódio anterior. Dessa vez o episódio começa com apenas Yellow Guy e Duck Guy sentados à mesa, mas nada se diz relacionado à morte do terceiro companheiro. Porém, imagens rapidamente projetadas na geladeira deixam o espectador refletindo a respeito disso, claro que em muitos casos é preciso assistir mais de uma vez para poder captar essas mensagens. O episódio fala da nossa alimentação do dia dia, muitas vezes calórica, pouco saudável, o paladar e a praticidade sobrepondo-se aos alimentos naturais que nos fazem tanto bem. O ´´personagem convidado da vez`` é uma costeleta de carneiro gigante, simpática e cheia de vísceras, juntamente com Bread Boy e alguns enlatados ´´antropofágicos``, que cantam a música tema. Será que temos realmente ideia do que estamos comendo, sendo que, na maioria das vezes, seguimos um padrão cultural em nossa dieta? Será mesmo natural comermos determinados tipos de animais enquanto temos alguns em nossas casas que são nossos maiores companheiros?



EPISÓDIO 6. TEMA: SONHOS

Episódio derradeiro da série. Sim, parece que realmente Red Guy e Ducky Guy se foram, deixando Yellow Guy sozinho e desolado. Não gostei do tom melancólico e pessimista do início do episódio, mas enfim, já é noite, hora de dormir, e um novo personagem aparece, o Abajur cantante, falando sobre os sonhos, e Yellow Guy, de saco cheio de tudo isso, é obrigado a embarcar nessa viagem louca e inevitável, como de praxe. Eis que de repente, quem aparece? Red Guy, trabalhando em um emprego normal levando uma vida normalzinha, numa cidade de seres de sua espécie. Ele até se apresenta em uma casa noturna cantando a música tema do primeiro episódio, mas ninguém acha muita graça e o coitado é vaiado. Além de Red Guy, outro personagem icônico reaparece, Roy, o pai esquisito do Yellow Guy. Red Guy descobre uma máquina que, ao que parece, fabrica sonhos, e passa um tempinho brincando com ela. Referências aleatórias aos episódios anteriores surgem deliberadamente ao longo da cena. Roy demonstra não estar gostando nada da intromissão de Red e tenta fazê-lo parar até que, sendo parte de um sonho ou não, a máquina traz os três companheiros juntos novamente, dessa vez em cores trocadas (as cores preferidas de cada um, como mostrado no primeiro episódio), em um novo dia; não é mais 19/06 e sim 20/06, e Sketchbook ganha vida novamente, prestes a iniciar a musiquinha da imaginação do primeiro episódio, reiniciando a rotina dos três. Final até então otimista, mas o episódio é nonsense demais e me recuso a aceitá-lo como episódio final. Seria Roy um vilão? Definitivamente queremos mais DHMIS.

DHMIS é ima websérie independente, feita exclusivamente para sites de vídeos, como Youtube e Vimeo, seus vídeos estão cada vez mais viralizados e conquistando uma enorme gama de fans, e todo esse mérito a torna ainda mais importante. Se tiver a merecida chance de crescer, com certeza teríamos mais episódios, temporadas, longas para cinema, DVD´s e exibição em TV por assinatura, mas des de já torceremos para que não ´´suavizem`` os elementos que fazem a série ser o que é. E principalmente, que não a tornem um show infantil. Que continue na Internet pelo menos, mas que tenha vida longa e próspera, que consiga patrocínios, quem sabe numa Web TV, com dublagens em outros idiomas e tudo o mais. O mais importante para decolar a série tem de sobra; diferencial e criatividade.



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