terça-feira, 28 de novembro de 2017

Uma aula de como deve ser a interação entre criança e artista


Estive lembrando de uma peça que assisti quando tinha uns cinco anos, no Jardim 3, como era chamado o Pré 2 da época. Na peça tinha um cachorro chamado Gaspar, que nada mais era que um ator vestido com uma fantasia muito feia, a despeito do desenho de cachorro fofinho que estampava o convite da peça infantil. Só recentemente fui me lembrar que a peça se chamava O Rapto das Cebolinhas, isso depois de pesquisar o tal cachorro Gaspar, personagem que foi mais marcante para mim. Interessante é saber que a peça continua sendo apresentada por aí afora, como não podia deixar de ser, clássicos não morrem, sejam do teatro, da literatura ou do imaginário infantil, que estão sempre se reinventando. É curioso também ver que do meu tempo para cá pouca coisa evoluiu nas apresentações, a fantasia continua a mesma cafona de sempre, o que agora percebemos que dá um tremendo charme ao personagem e à história. Mas o que eu queria comentar não era nada disso. O que até hoje lembro é que na época que assisti a peça nessa excursão do colégio, um coleguinha meu que não parava de chupar balas enquanto assistia jogou uma para os atores no palco. O ator que interpretava o Gaspar, sem se deixar desconsertar com tal ação que não passou despercebida nem ao público, pegou o doce e ofereceu a um dos bandidos que estavam capturados. Uma atriz participante de cena, percebendo que também precisava improvisar tal qual seu companheiro, dizia assim para o cachorro simpático: ´´Não dá para eles não, Gaspar. Eles são bandidos``. Gaspar então acabou colocando a bala na boca pondo fim na situação, agradecendo ao menino fazendo o sinal de joinha. O menino se surpreendeu, aliás, todos que assistiam a cena acharam o improviso de tamanha grandiosidade de espírito. O menino até que gritou bem alto, erguendo o braço para mostrar o drops que tinha na mão: ´´Tem mais aqui, Gaspar!``, mas já era hora de voltar à cena, mesmo que o personagem cachorro, todo bobo, ficasse olhando a criança numa interpretação graciosa. Mas tal qual seus companheiros de cena, o ator voltava a prestar atenção no que estava escrito no roteiro, os meliantes capturados. 
No final da peça crianças se acotovelavam para abraçar Gaspar, que com boa vontade dava atenção a todas elas. É o ofício de estar em contato com o público infantil. E isso não me sai da memória até hoje, quando vemos por aí e ficamos sabendo de casos de desconstrução entre artista e público, ainda mais em se tratando de público infantil, muitas vezes situações débeis e constrangedoras, isso quando tem gente chamando de coisa pior. Vemos por aí falta de espírito, falta de humor, falta de saber lidar com o público não adulto. O espetáculo acaba sendo levado por um caminho diferente do proposto, e o mais triste ainda é imaginar que tem quem faça isso de propósito. O artista precisa saber que inserção de gestos infantis não contribuem para atrapalhar, muito pelo contrário, aumenta a interatividade entre público e artista de maneira saudável, o que seria de grande exemplo para os dias de hoje, ensinando o que é arte de verdade.

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